terça-feira, 9 de outubro de 2007

Campanha trate o médico como gente

Durante alguns minutos pensei em escrever um texto dando informações e minhas opiniões sobre o Ato Médico, mas logo após as primeiras linhas mudei de idéia e resolvi deixar esse tema para um próximo post porque me veio à mente outra situação da vida médica tão importante quanto as definições do campo de atuação dos médicos e dos outros profissionais da área da saúde, que a meu ver tem a mesma importância para os pacientes, mas têm atuações referentes às suas profissões, distintas. Hoje resolvi escrever sobre um tema que muito interessa a todos os médicos e estudantes de medicina - o emprego. Parece estranho falar sobre isso uma vez que, até onde sei, não existe médico desempregado, mas o que nem todos os estudantes e a população em geral sabem é qual a condição desses “empregos”.

Vou começar contando uma história. O doutor Francisco recém formado ou formado há 30 anos clínico geral, que trabalha na cidade de Patinho do Sul, fazendo PSF três vezes por semana e fica no hospital municipal os outros três dias, além dos pelo menos três plantões de 24h que faz por semana, tem seu salário de aproximadamente R$7.000,00 por mês já descontados os impostos (assim foi prometido pela prefeitura que o contratou). A prefeitura quando o convidou para trabalhar nessa pequena cidade do interior ofereceu uma casa que ficaria por conta do município. Para quem não é médico e vive no Brasil, onde a maioria absoluta da população vive com um salário mínimo deve achar que está de bom tamanho certo? Errado. Há vários problemas nessa história que serão abordados no decorrer desse texto, o primeiro deles é a questão primordial da constituição que diz todos temos direitos iguais, além, especificamente, do Capitulo II: Dos direitos sociais Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; (sem concurso público estamos sujeitos a isso!)

V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; (O que pode ser mais complexo que a vida humana? Quantos trabalhadores chegam a ter em média 52 horas semanais de trabalho? Na verdade na prática o que vejo é que a carga horária é de no mínimo 59 horas/semana)

IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; (Em vários lugares do país o plantão noturno tem o mesmo valor do diurno)

XXIV - aposentadoria; (qual? Sobre que valor?)

Agora as explicações. O salário mínimo é reajustado anualmente? O salário dos servidores públicos (do alto escalão) é reajustado anualmente? O salário do médico é reajustado anualmente? A resposta é sim apenas para as duas primeiras perguntas, para a última infelizmente não, na verdade a remuneração do médico está estagnada há aproximadamente 10 anos, e mais, o poder aquisitivo vem caindo drasticamente. O que ocorre é que o Doutor Francisco não é um funcionário público ele é apenas um empregado sem qualquer garantia de estabilidade no trabalho que recebe por seus serviços médicos a quantia de R$2000,00, contratado como uma “empresa prestadora de serviço”. E os R$6000,00 que eu disse anteriormente? Isso ocorre porque a prefeitura não quer ter em sua folha de pagamentos um salário de seis mil reais em que vai arcar com FGTS sobre esse valor, assim caso mande o médico embora (o que acontece arbitrariamente ou com a troca de prefeitos) os custos serão mínimos, por isso a diferença é dada em benefícios, assim ao aposentar-se o Dr. Francisco receberá sobre o valor do salário de dois mil reais e não dos seis mil que vocês imaginavam não o bastante ele pode ser dispensado a qualquer momento pela prefeitura que o contratou, com um seguro desemprego que mais parece um “vale refeição”. É assim que funciona o emprego dos médicos do SUS na maioria das cidades do interior do Brasil. Como o salário é baixo por ser desproporcional a complexidade e riscos da profissão o profissional da saúde se vê obrigado a fazer um plano de previdência privada (agora desconte o plano da previdência privada dos sete mil)

Voltando a questão do reajuste salarial resolvi não escrever e apenas irei transcrever um texto que foi publicado no “Diário de Natal” de autoria do Dr. Paulo Ezequiel, funcionário da Secretaria de Saúde Municipal e Estadual, no Rio Grande do Norte. Notem que o texto é de maio de 2003 e adivinhem o que mudou.

"Médicos, companheiros de profissão, como descemos...
Quando meu pai, médico, aposentou-se há nove anos, disse que estava fazendo aquilo porque a profissão médica havia chegado ao fundo do poço e não agüentava ver a classe descer mais do que aquilo.

Nesses nove anos os salários e até o CH (coeficiente de honorários), criado
para proteger o trabalho médico, desvalorizou 308,68% se comparado ao
salário mínimo (e nós pagamos salários baseados no mínimo aos funcionários); desvalorizou 73,47% pelo IBG que mede o índice de preços ao consumidor (inflação), índice este que sabemos ser maquiado pelo Governo Federal. Se "dolarizarmos" nossas perdas, elas chegam a 351,81%%. Como descemos...

Inicialmente fizemos cortes no orçamento, depois aumentamos a carga de
trabalho, passando a dar mais plantões. Cortamos férias, nos tornamos
“clientes especiais" dos bancos, inicialmente eventuais, hoje cativos. Não
temos tempo sequer para nos organizar. Como descemos!

Não podemos lutar sequer na Justiça, pois o Judiciário jamais votaria a
nosso favor, mesmo que estejamos certos. Os juízes já votaram seu próprio
aumento salarial e, se votassem o nosso, poderia não sobrar para eles.

Em 1994 um médico recebia R$ 755,00 e um promotor público R$ 1.300,00 Hoje, o médico recebe os mesmos R$ 755,00 e o promotor mais de R$ 8.000,00. Que diferença de responsabilidade ou de um curso faz com que ocorra tal disparidade. Sem falar de vereadores, auditor fiscal e outros cargos que, devido ao seu poder de autogestão dos salários foram evoluindo, enquanto nós retrocedemos. Como descemos.

E a culpa, de quem é? De nós mesmos! Nós, que deixamos a coisa ocorrer sem reagir. Talvez devido a celebre frase: "Medicina é sacerdócio!". Mas até os padres, hoje em sua maioria vivem bem, comem bem, dormem bem, têm carro, vestem-se bem, viajam. A culpa é nossa por termos aceitado dar plantões em condições mínimas. Sem água? Compramos água. Comida ruim? Compramos comida. Não há material? Improvisa Tudo em prol da continuidade do serviço e do paciente. A culpa é nossa por termos criado uma cooperativa médica que pode proteger a todos, menos ao médico. Veja uma diária hospitalar hoje e há oito anos. Quem protege quem?
Os planos de saúde aprenderam que não temos tempo para reclamar e pagam o que querem, quando querem e se quiserem. Como descemos.

Chegamos no nosso carrinho, cara de cansados, exaustos, na verdade, maltrapilhos e somos atendidos pelo gerente do plano: bem dormido, gravata, perfumado e de carrão zero às nossas custas. Burros de cangalha é o que somos. O Governo também aprendeu que não temos força para cobrar o que é de direito: retira gratificações, suspende pagamentos. É como se fôssemos isentos de obrigações financeiras. Coitados de nós!
Como descemos!!!!!
Temos medo de pedir um orçamento a um pintor ou pedreiro. Estamos apertados para pagar o colégio dos nossos filhos. Achamos que se continuarmos assim vamos acabar pagando para trabalhar. Estamos enganados! Já estamos pagando, pois as noites em claro nos renderam doenças e problemas de saúde que nossa aposentadoria do Estado de R$ 400,00 somados ao INSS de R$ 800,00, mais talvez uma previdência privada, não conseguem cobrir. Pagamos, porque a nossa ausência em casa na busca de manter um "padrão de vida" não tem preço. Nossos filhos estão à mercê de drogas e maus exemplos, devido ao abandono.

E como dizer aos nossos filhos para estudarem, pois vale a pena? Eles vêem o exemplo do pai que estudou tanto, fez tantos cursos, passou tantos
concursos e tem uma qualidade de vida tão ruim. E aí vem o "Big Brother",
as novelas e pessoas que vivem melhores, até de forma ilícita. É difícil fazê-los compreender que os que nos mantêm em nossa profissão, o que nos alimenta a alma e o espírito são duas coisas: o amor pela prática médica e
a incapacidade que temos de reverter todo o investimento que fizemos à mesma.

Se o medo é de pagarmos para trabalhar, pode ficar ciente de que já estamos fazendo isso.

Acho que deveríamos ser mais radicais e não aceitarmos imposições, pois
sabemos que estamos totalmente certos. Temos que ganhar melhor para
atendermos melhor a nossos pacientes. Temos que dormir bem, para atendermos melhor a nossos pacientes. Temos que estudar e nos atualizar, para atendermos melhor a nossos pacientes.

“Queira ou não, tudo isso depende de remuneração”

Texto extraído do Jornal da Sociedade Brasileira de Cardiologia do mês de
Maio/Junho de 2003.

O que mudou foi provavelmente o aumento da desvalorização salarial nos últimos quatro anos. E qual seria a solução? Eu não sou especialista em direito legal ou tributário, sou um simples estudante de medicina, mas a meu ver deveríamos começar buscando a proibição desse tipo de contratação que ocorre no interior, tornando obrigatório o concurso público para a contratação de todos os médicos do Sistema Único de Saúde e a declaração do salário integral e justo na carteira de trabalho, além da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos que é o parâmetro de honorários médicos que visa garantir uma remuneração digna e equilibrada dos serviços prestados.

Não há motivo para receio pela realização de um concurso público, uma vez que a quantidade de médicos que se dispõe a ir para o interior ainda é muito pequena, basicamente as prefeituras é que procuram o médico. Elas só não pagam o valor justo, devido a importância e complexidade do trabalho, não dão garantia de estabilidade e os exploram pagando o mesmo valor pelo plantão diurno e noturno além de repudiarem um reajuste salarial, soma-se a isso o fato de o salário declarado ser infinitamente inferior ao real, que por sua vez é desatualizado. Tirando esses “pequenos” detalhes está tudo bem, afinal como disse certo político uma vez: Médico é igual a sal...

Obs. O valor de sete mil reais é uma média salarial e não um valor fixo antes que algum desprovido de inteligência me diga: Mas meu pai ganha 13...!

Ps. Quem é o Dr. Francisco? Eu (estudante que vou me formar em breve), você e todos os médicos do Brasil que trabalham no interior e são explorados pelos prefeitos!- “Ah, mais eu sou “fod*”, não vou dar plantão no interior, vou passar direto na residência!” Mas vai pro exército babaca! Vai lá pro interior do raio que o parta por pelo menos um ano! heheheheh. Então fica esperto Mané. E não é porque você é Staff da neurocirurgia da Beneficência Portuguesa que não tem que se importar com a classe profissional que você pertence! (não conheço ninguém que trabalhe nesse hospital isso foi apenas um exemplo) todos nós devemos ter compromisso com os colegas de profissão.

E vocês, o que acham?

2 comentários:

SiLva&SiLva disse...

Pelo visto niguém acha nada né? entao que continue do jeito que está!

S I disse...

Concordo em parte com você. Basta vermos que os anúncios de emprego oferecem diversos benefícios, que em sua maioria não correspondem à realidade. Nós médicos devemos nos unir em prol da restauração da dignidade da nossa profissão, fazendo a população perceber a complexidade do nosso trabalho e do custo financeiro, pessoal e familiar que isso nos acarreta. Os meios de comunicação alardeiam de vez em quando um erro médico, mas não mostram os milhões de vidas salvas por estes mesmos médicos que se sacrificam, pondo em risco a própria vida, diariamente, nos mais diversos estabelecimentos médicos neste país. Dr. Sebastião Inacio Filho - CREMEPE - 10103.